Pernambuco pode estar passando por novo surto de ataques de tubarão, alerta pesquisador

Para professor, é necessário retomar pesquisas e informar a população. Ao contrário do que pode parecer, espécies com maior número de incidentes têm população reduzida e estão em situação vulnerável.

Placa na praia de Boa Viagem, no Recife, faz alerta sobre perigo de ataques de tubarão — Foto: Getty Images

Durante os 30 anos de registros e pesquisas sobre ataques de tubarão em Pernambuco, os cientistas identificaram duas ocasiões em que ocorreram o que se considera “surto de ataques”: em 1994 e 2004. Segundo o doutor em engenharia de pesca pela UFRPE e integrante da Sociedade Brasileira para o Estudo de Tubarões e Raias, Jonas Rodrigues, os três casos registrados em 16 dias em 2023 podem apontar para um novo surto e são um alerta para que as pesquisas sejam retomadas e mais medidas de proteção, adotadas.

“Falo isso sem intenção de causar pânico. Mas a gente só teve no histórico de incidentes com tubarões dois surtos: 1994 e 2004. Nesse momento em que temos maior informação científica, acredito que podemos estar diante de um novo surto”, considera o pesquisador, acrescentando que a situação é preocupante.

“A situação demonstra a necessidade de mais estudos, de monitoramento e de ações de educação ambiental contínua. Assim como a gente precisa de um ordenamento da praia, para que as pessoas possam tomar banho de mar com maior tranquilidade nas áreas em que não existem riscos; com sinalização para as pessoas saberem se podem entrar ou não na água”, aponta Rodrigues.

Para o pesquisador, é preciso instalar o que chama de “sinalização graduada” – relacionando as áreas e as situações mais propícias ao banho de mar, além da instalação de chuveiros na areia e banheiros em todo o litoral – para que as pessoas evitem entrar no mar nas áreas consideradas mais perigosas.

Com a maré baixa, nas regiões com presença de arrecifes, nas chamadas “piscinas naturais” – o banho de mar pode acontecer. Os riscos, segundo Rodrigues, estão nas áreas de mar aberto; por conta dos canais naturais e das correntes marítimas.

“Os tubarões vão no raso, sim. Principalmente em áreas de mar aberto, onde têm a possibilidade de se aproximarem mais da faixa de areia. Esses dois últimos casos [de ataques] foram no raso e em áreas de mar aberto – que possibilitam o trajeto desse animal mais próximo da costa. Mas não temos ocorrência de incidentes com tubarões com a maré baixa na área de proteção de arrecifes”, complementa.

Espécies ameaçadas e população pequena

 

O número de ocorrências com tubarões no litoral de Pernambuco pode sugerir um aumento das populações das espécies com maior número de casos de ataques a seres humanos: o tubarão tigre (Galeocerdo cuvier) e o cabeça-chata (Carcharhinus leucas). Entretanto, essa não é a realidade constatada por pesquisas realizadas desde os primeiros incidentes, na década de 1990.

“São espécies com índices críticos de ameaça de extinção, consideradas vulneráveis e com baixa população, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Tanto que a gente não chegou a capturar nem 100 tubarões em oito anos de pesquisa”, explica o engenheiro de pesca Jonas Rodrigues.

Dos 77 ataques registrados desde 1992 em Pernambuco, em 15 foi possível determinar a espécie do animal. Foram 9 casos atribuídos ao cabeça-chata e 6, ao tubarão-tigre.

Adolescente de 14 anos é socorrido após sofrer ataque de tubarão em Piedade, Jaboatão — Foto: Reprodução/WhatsApp

As técnicas para determinar a espécie envolvida em cada ocorrência nos últimos 30 anos foram aprimoradas. No início, os pesquisadores verificavam a presença de dentes nas vítimas, ou o tipo de mordida nas pranchas de surfe.

Desde 2019, entretanto, a partir dos resultados da tese de doutorado defendida por Jonas Rodrigues, foi criado um catálogo com as características das principais espécies que circulam no litoral pernambucano, incluindo detalhes como formato e curvatura da mordida e distância entre os dentes.

Fator natural, desequilíbrio ambiental e aquecimento global

 

Rodrigues detalha que o número de ataques de tubarão a pessoas tem relação com diversos fatores, incluindo fatores naturais – como correntes marítimas e canais ao longo da costa – e também o desequilíbrio ambiental provocado pela consolidação do Porto de Suape e pelo aquecimento global.

Jonas Rodrigues – doutor em engenharia de pesca pela UFRPE e integrante da Sociedade Brasileira para o Estudo de Tubarões e Raias — Foto: Acervo pessoal

“O Porto de Suape é um grande impacto na zona costeira e num ambiente que era extremamente rico para o ambiente no estado de Pernambuco. Houve um grande impacto na região e isso pode ter, sim, iniciado os surtos de ataques. Fatores como aterros para a ampliação do porto provocaram uma mudança no meio ambiente, alterando a ocorrência de espécies e a quantidade de peixes que habitam a região, o que também pode ter influenciado a presença de tubarões e como eles se comportam”, explica o pesquisador.

Jonas Rodrigues acrescenta que a poluição, com grande quantidade de dejetos lançados nos rios e mares, pode provocar a diminuição da oferta de alimentos, o que pode influenciar os tubarões a trafegarem por áreas maiores para conseguirem se alimentar.

Ele lembra que após quase 10 anos sem estudos focados nos incidentes com tubarão no estado, faltam dados para analisar os efeitos do aquecimento global nessa questão em Pernambuco, em especial no que se refere ao aquecimento dos oceanos, mudanças nas dinâmicas de correntes marítimas e que impacto tudo isso tem na presença dos tubarões na região.

Como fator natural, o pesquisador esclarece que as pesquisas mostram também que a formação geológica da região favorece a presença dos animais; com “feições costeiras de canal, somadas às correntes de retorno – únicos fatores naturais que agravam a situação dos incidentes com tubarão no estado”.

“Em 42% dos casos de ataques de tubarão ocorridos no Grande Recife, a vítima teve um princípio de afogamento antes da ocorrência. Foi puxada por uma corrente de retorno e levada para uma área mais profunda, onde aconteceu o incidente com o tubarão”, aponta o engenheiro de pesca Jonas Rodrigues.

 

Segundo ele, a reação natural da pessoa quando está se afogando é se debater de forma desordenada. Essa situação, somada à pouca visibilidade da zona costeira de Pernambuco (uma área com água turva, espuma e quebra de ondas), pode fazer o tubarão entender que a vítima é uma presa vulnerável e atacar.

Características dos tubarões

 

O também professor doutor de engenharia de pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), coordenador do Projeto MegaMar Fábio Hazin, Zeca Pacheco, esclarece que existem mais de 400 espécies de tubarões no mundo, com tamanhos bem diversos e tempo médio de vida também muito distintos.

“Existem espécies de tubarão que do tamanho da palma da mão já atingem a idade adulta, ou seja, já reproduziram – até tubarões com mais de 15 metros de comprimento, como o tubarão baleia (Rhincodon typus)”, explica o professor, salientando que o tempo de vida dos animais também varia de acordo com a espécie.

“O mais longevo já registrado é o tubarão da Groelândia (Somniosus microcephalus), que pode viver até 400 anos”, conta Pacheco.

Os tubarões com ocorrência na costa pernambucana mais comuns são os tubarões tigre e cabeça-chata. Eles podem viver até 20 anos na natureza. Pacheco lembra que essas espécies só atingem a idade reprodutiva entre quatro e seis anos de idade.

Jonas Rodrigues explica ainda as duas espécies têm uma maturação sexual tardia, com baixa fecundidade e número baixo de filhotes – características observadas mais comumente nos mamíferos e que as faz mais vulneráveis e em risco de extinção.

“O cabeça-chata é um animal que costuma entrar nas zonas de estuários e rios; em ambientes de água doce. Ele tem uma glândula que consegue fazer a regulação de salinidade e em algumas regiões do mundo existem tubarões dessa espécie que se reproduzem numa lagoa que durante um período do ano fica isolada do mar”, detalha Rodrigues.

Já o tubarão tigre é um animal de zonas costeiras e oceânicas e pode ser encontrado, por exemplo, no Grande Recife e em Fernando de Noronha.

“Costumo dizer nas minhas palestras que Steven Spielberg foi feliz e infeliz ao mesmo tempo ao realizar o filme ‘Tubarão’ (1975). Foi recorde de bilheteria por muito tempo, mas colocou uma imagem para o animal muito negativa. O tubarão não está atrás dos seres humanos. O ser humano não faz parte da cadeia alimentar dele. Isso não corresponde à realidade”, finaliza Jonas Rodrigues.

G1

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